fonte: MedScape
Para alguns pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos, a alta hospitalar é apenas o início da jornada. A infecção do sítio cirúrgico está entre as complicações pós-operatórias mais comuns, acometendo de 2% a 4% dos pacientes internados para a realização de cirurgias, segundo a Agency for Healthcare Research and Quality. E isto é um problema, visto que esses casos de infecção são o principal motivo de reinternação hospitalar. Para 3% dos pacientes, a infecção é letal.
O tratamento também pode ser um problema. A crise de resistência bacteriana aos fármacos continua intensa. Novas estimativas mostram que, em 2019, cerca de 5 milhões de mortes em todo o mundo foram associadas à resistência antimicrobiana bacteriana, com 1,27 milhão de casos atribuídos a ela, de acordo com um estudo de janeiro de 2022 publicado no periódico The Lancet.
Identificar a infecção antes de o quadro agravar – e ser possivelmente letal – nem sempre é fácil. Não há um algoritmo específico universalmente aceito para monitorizar feridas cirúrgicas, disse o Dr. Steven Wexner, médico e diretor do Centro de Doenças Gastrointestinais da Cleveland Clinic Florida, nos Estados Unidos, e consultor de comunicações do American College of Surgeons. Tecnologias que ajudam a diagnosticar precocemente a infecção podem permitir que esses casos sejam tratados com muito mais eficácia, disse ele, salvando vidas e economizando recursos.
Avanços estão acontecendo neste momento. Aqui, daremos uma olhada em seis tecnologias e dispositivos que poderão ser usados em breve – desde o básico até perto de ficção científica – para diminuir o risco de infecção de feridas e detectar as infecções muito mais cedo.
Selfies que salvam vidas
Hoje, cabe ao paciente (ou ao cuidador) alertar o médico quando uma ferida não parece bem ou quanto estão apresentando sintomas que sugestivos de infecção, como febre. Mas a pessoa sabe o que é normal?
Uma nova pesquisa publicada no periódico NPJ Digital Medicine sugere que tirar uma foto (ou “selfie“) da ferida e enviá-la ao médico pode ser uma boa maneira de detectar uma potencial infecção. Pacientes que usaram smartphones para monitorar suas feridas após uma cirurgia abdominal tiveram 3,7 vezes mais chances de ser diagnosticados com infecção cirúrgica do que os pacientes em um grupo de cuidados pós-operatórios de rotina.
Uma pesquisa publicada no periódico Journal of the American College of Surgeons com pacientes submetidos a cirurgia vascular também mostrou que este tipo de aplicativo pode aumentar o número e a precisão de diagnósticos de infecção, explicou o Dr. Steven, que não participou de nenhum dos estudos. “Este tipo de tecnologia tornou-se muito mais comum”, disse. Além disso, o aplicativo criaria um registro da infecção, permitindo maior padronização dos cuidados. Isso pode significar que um cirurgião possa avaliar uma imagem, classificar a gravidade da ferida e encaminhar os pacientes de forma apropriada – ou simplesmente tranquilizá-los.
Um sensor sem fio que detecta infecções
Um sensor vestível (wearable) que pode detectar o aumento de bactérias em uma ferida – e enviar um sinal de aviso ao seu smartphone – pode ser uma realidade em breve.
O sensor foi testado em modelos murinos, e os resultados foram publicados no periódico Science Advances em novembro de 2021. O dispositivo pode “garantir a identificação precoce da infecção e resultados melhores para os pacientes”, destacou o coautor do estudo Dr. Ze Xiong, Ph.D., do Departamento de Engenharia Elétrica e Informática da Universidade Nacional de Singapura.
Esta tecnologia permitiria uma medição mais objetiva da infecção, além do monitoramento visual pelo paciente ou cuidador, e é mais rápido do que a cultura da ferida, explicou.
O sensor, chamado WINDOW (wireless infection detection on wounds), é flexível, sem fio e não tem bateria. Pode, portanto, ser incorporado ao curativo de feridas. O WINDOW é ativado por um hidrogel de DNA. “Após a exposição a bactérias além dos limiares, este hidrogel será gradualmente ‘devorado’ por uma enzima das bactérias, levando a uma mudança de sinal que pode ser detectada pelo sensor”, explicou o Dr. Ze. Nesse momento, o sensor pode enviar um alerta para um smartphone.
O próximo passo é testá-lo nos pacientes, e, em seguida, formar uma parceria com uma empresa para desenvolver um protótipo, seguido por um ensaio clínico. O Dr. Ze espera que este sensor possa estar disponível dentro de três a cinco anos.
Um laser destruidor de bactérias
Uma forma de combater uma bactéria resistente a medicamentos é encontrar um método alternativo de matá-la. Certos tipos de lasers podem ajudar.
Um novo estudo, publicado no periódico Journal of Biophotonics, sugere que um dispositivo com um feixe laser de pulso ultracurto (USP, sigla do inglês ultrashort-pulse) possa ser usado em feridas para matar bactérias rapidamente e reduzir o risco de infecção.
“Pelos nossos cálculos, com o tratamento a laser USP, os patógenos parecem ser mortos dentro de milissegundos, o que nos permite escanear o laser rápido o suficiente nos locais-alvo para minimizar possíveis efeitos adversos no tecido”, explicou o coautor do estudo Dr. Shaw-Wei David Tsen, Ph.D., médico do Departamento de Radiologia da Washington University School of Medicine, nos EUA. Em suma, o laser USP mataria bactérias, minimizando o risco para as células saudáveis.
A pesquisa está em andamento em modelos animais, e são necessários mais estudos para determinar o uso ideal do USP e avaliar os efeitos colaterais. “Uma vez concluídos estes estudos, um dispositivo para tratar feridas pode ser desenvolvido muito rapidamente, já que grande parte da tecnologia de suporte já existe”, explicou o Dr. Shaw-Wei. O lado negativo: a utilização na prática clínica pode levar mais tempo, até cinco anos, segundo ele.
Um localizador de infecções que bloqueia surtos hospitalares
Médicos do University of Pittsburgh Medical Center, nos EUA, desenvolveram um sistema para rastrear potenciais surtos de infecção hospitalar por exploração de dados de registros de saúde eletrônicos e utilização de vigilância em tempo real por sequenciamento do genoma. Os resultados do estudo foram publicados no periódico Clinical Infectious Diseases. Seu nome é sistema de detecção melhorado para a transmissão associada aos cuidados de saúde (ED-HAT, sigla do inglês Enhanced Detection System for Healthcare Associated Transmission).
Hipoteticamente: alguns pacientes de um hospital aparecem com infecções pós-operatórias. Este novo sistema pode detectar padrões de onde, quando e como as infecções ocorreram – a mesma ala, a mesma equipe, o mesmo equipamento, por exemplo – para impedir surtos após dois ou três casos. “Este seria um grande avanço em relação aos métodos tradicionais, que muitas vezes podem deixar de detectar surtos ou levar muito tempo para identificá-los”, explicou o Dr. Lee H. Harrison, médico e professor de medicina e epidemiologia, que ajudou a criar o sistema. O próximo passo é criar um protótipo que teoricamente poderia ser enviado para qualquer hospital.
Imagem bacteriana que pode melhorar o uso de antibióticos
O estágio inicial da infecção é o melhor momento para identificar o antibiótico mais eficaz para tratá-lo, explicou o Dr. Guoan Zheng, Ph.D., professor associado nos Departamentos de Engenharia Biomédica/Elétrica e Ciência da Computação na University of Connecticut, nos EUA. Agora, um novo dispositivo de imagem 3D pode melhorar a capacidade dos cientistas de determinar o antibiótico certo para tratar a infecção, de acordo com um estudo publicado em janeiro no periódico Biosensors and Bioelectronics.
Neste momento, os laboratórios cultivam bactérias para procurar crescimento, mas eles não têm uma imagem completa desse crescimento – e os resultados podem levar 24 horas ou mais. Este novo dispositivo reconstrói a colônia bacteriana em imagens em larga escala 3D para que os cientistas possam visualizar o crescimento de bactérias e quão bem a infecção está respondendo a um antibiótico, disse o Dr. Guoan. Todo este processo pode demorar apenas de duas a três horas.
“Os resultados permitem que os médicos administrem o antibiótico mais eficaz, reduzindo o risco de resistência. O novo dispositivo de imagem pode reduzir substancialmente o tempo para identificar o antibiótico que será eficaz na luta contra a infecção”, destacou.
Esta tecnologia pode chegar em breve. “Pretendemos comercializar este dispositivo e disponibilizá-lo com um parceiro de negócios no próximo ano”.
Suturas inteligentes
Idealmente, os médicos seriam capazes de detectar a infecção antes de que progredissem para uma situação de risco de vida, sintetizou John Ho, professor assistente no Departamento de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação da Universidade Nacional de Singapura. “Atualmente, não existe uma ferramenta eficaz que possa monitorar continuamente feridas profundas e alertar os profissionais assim que as complicações acontecem”, disse ele. John, juntamente com uma equipe de pesquisadores, desenvolveram suturas bioeletrônicas que podem ficar de olho em uma infecção potencial.
Os resultados da pesquisa sobre essas suturas em modelos animais, publicados no periódico Nature Biomedical Engineering, mostram que estes dispositivos podem ajudar a prevenir infecções que levam a complicações graves. Quanto à forma como funcionam, “quando o cirurgião sutura a ferida, um pequeno módulo eletrônico contendo o sensor é conectado à sutura”. Os pesquisadores testaram diversos sensores, inclusive um específico de infecção, feito de um material que se degrada quando os níveis de bactérias específicas se elevam o suficiente.
O objetivo é alertar os pacientes sobre uma infecção da ferida antes que as complicações se instalem. “Isso pode reduzir as taxas de novas cirurgias, o tempo de recuperação e melhorar os desfechos do paciente”, explicou John. As suturas bioeletrônicas devem primeiro ser testadas em seres humanos e, em seguida, ser fabricadas como um dispositivo médico. John espera que esta tecnologia chegue aos pacientes dentro de cinco anos.